"Refundação da Esquerda" e a Escola da Práxis
A ESQUERDA TEM MUITO EM COMUM com o cristianismo, a começar pelo desejo de encontrar o "verdadeiro caminho", fiel aos ensinamentos de seus patronos, mediante autocrítica e expiação dos erros cometidos.
Com efeito, "a tradição esquerdista é, depois de sofrer derrotas, ir a fundo nas críticas e autocríticas, até chegar a conclusões quanto aos erros cometidos e às correções de rumo necessárias para que não se repitam adiante".
Nesse sentido, como dizia Einstein, que era gauche, mas não de esquerda, "é insano seguir fazendo sempre a mesma coisa e querer obter resultados diferentes".
Em ocasiões históricas como essas, vale a pena lembrar a experiência da Escola da Práxis, um importante movimento filosófico internacional, iniciado nos anos 1960 na Iugoslávia, um país que não existe mais.
De 1964 a 1974 a Escola publicou uma revista, Práxis, provavelmente a mais famosa dentre todas como orientação marxista, precisamente porque não fazia apologia de nenhum regime ou experiência socialista isolada. O que não era o caso do leninismo e do estalinismo ("marxismo-leninismo"), que os teóricos da Práxis consideravam infiéis ao marxismo, porque distorciam conceitos e princípios para satisfizer as necessidades das elites dirigentes de seus regimes absolutamente avessos a qualquer tipo de crítica.
As características fundamentais da Escola e sua revista eram (1) ênfase nos escritos do 'Jovem Marx' - o "Marx real", menos centrado na economia e mais humanista, focado na libertação da humanidade dos infindáveis grilhões que a escravizam em vez dela mesma os controlar; (2) defesa da liberdade de expressão, não somente em regimes autoritários, mas também nas democracias, na base na insistência de Marx na crítica radical, capaz de contestar as raízes das próprias convicções.
Nas palavras de Erich Fromm, psicanalista, filósofo e sociólogo alemão, "voltar ao Marx real significa posicionar-se contra o Marx distorcido pelos social-democratas e pelos estalinistas".
Além de Fromm, o humanismo marxista da Práxis tinha como inspiração Antonio Gramsci, Karl Korsch, Georg Lukács, Ernst Bloch, Herbet Marcuse, e Lucien Goldmann. E seus membros mais proeminentes foram os próprios Fromm, Bloch e Marcuse, e os conceituados Jürgen Habermas, Eugen Fink, Henri Lefebvre, Richard Bernstein, Shlomo Avineri, e Zygmunt Bauman, para mencionar somente alguns dos mais importantes autores marxistas de todos os tempos.
Autores que incluíam até mesmo representantes do Vaticano, como Gustav Wetter, jesuíta especializado em materialismo dialético - conceitos e princípios acerca da evolução natural e a emergência de novas qualidades do ser. Nada mais natural, pois na revista e nos cursos da Práxis estudava-se desde fenomenologia (estudo filosófico das estruturas da experiência e da consciência) a teologia (estudo crítico da natureza do divino).
As posturas da Práxis resultaram em muitos aborrecimentos, como acusações a seus membros e autores, chamados, por outros políticos e intelectuais de esquerda, "profissionais do anticomunismo", e perseguidos, caluniados e até ridicularizados por direitistas, em ações de "caça às bruxas", como mostrado na película Ave César, de 2015, produzida e dirigida por Joel e Ethan Coen.
Práxis deixou de ser publicada na Iugoslávia, em 1975, voltou a ser editada em 1981, em Oxford, com o título de Praxis International. Perdurou até 1994, quando mudou de nome para Constellations, revista exclusivamente acadêmica, quinzenal.
Em 1992, ela trouxe um artigo meu, Change and Control on the Loose (Mudança e controle frouxos), sobre crise ser um fenômeno e um conceito aplicável prioritariamente à ausência de "agência" capaz de, como se fosse um médico, realizar diagnóstico e aplicar a terapia adequada.
Agência que Zygmunt Bauman atualmente identifica com o Estado "líquido", impotente para gerenciar crises, que o artigo, por sua vez, acentua não podem ser separadas do sujeito, da experiência individual que, como um paciente, sofre com a "própria impotência diante do férrea objetividade de seu estado crítico".
Sendo que, hoje em dia, "os pacientes em estado crítico não são mais os burgueses, mas os próprios paladinos das reformas sociais".
Sendo que, hoje em dia, "os pacientes em estado crítico não são mais os burgueses, mas os próprios paladinos das reformas sociais".
Veja: https://www.researchgate.net/profile/Pedro_Scuro2/contributions
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